A
diversidade linguística sempre foi uma realidade na vida dos povos. A história
nos mostra que os usuários da língua convivem simultaneamente com o registro
formal, também chamado de língua padrão, e o informal, utilizado de forma livre
e espontânea. Assim, um mesmo sujeito que utiliza livremente a linguagem, sem
preocupação com regras preestabelecidas, precisa, em certos momentos, empregar
corretamente a norma culta, segundo as necessidades de comunicação, em situações
determinadas ou específicas. Não se trata de línguas diferentes, mas de
variantes de um mesmo idioma.
Os
estudos da filologia românica sinalizam que por volta do século XX a.C. havia traços
comuns na comunicação verbal, utilizada pelos povos que se achavam espalhados
pela Europa e Ásia Ocidental. Tal revelação sugeria certa unidade comunicativa a
qual se convencionou chamar indo-europeu. Esse tronco linguístico reunia “falares”
como Itálico, Germânico, Eslavo, Báltico e Céltico, dentre outros. Com o tempo,
eles sofriam ramificações, a exemplo do itálico que evoluiu, dando origem a
vários dialetos dentre os quais o latim.
O
latim se apresentava sob dois aspectos, o clássico e o vulgar. O primeiro era o
latim dos eruditos, instrumento de comunicação dos juízes, padres, tabeliães e
poetas. Ele era regido por regras que primavam pela erudição do vocabulário,
pela correção gramatical e elegância de estilo. O segundo, o latim vulgar, era
a língua cotidiana, popular, praticada pela maioria da população da qual faziam
parte as chamadas classes menos instruídas da sociedade.
De
uso espontâneo, o latim vulgar não era escrito intencionalmente. Todo e
qualquer registro com finalidades diversas deveria ser feito em latim clássico,
aquele dos intelectuais e letrados em geral. Em latim vulgar, tivemos poucas inscrições,
porém de grande importância, pois foram fundamentais para os trabalhos de investigação
e pesquisa, já que nelas se achava enraizada a variante linguística popular,
praticada livremente pela maioria das pessoas das regiões onde se falava latim.
Como
não havia uniformidade devido ao uso espontâneo, o latim vulgar sofria
acentuadas variações. Em cada região, ele se desenvolvia e se transformava,
segundo as influências próprias do lugar. Foi a partir dessa evolução que
surgiram as línguas românicas (neolatinas). Havia um acentuado distanciamento
entre latim clássico e vulgar. Enquanto, de um lado, os escritos obedeciam ao rigor
formal, de outro, as pessoas usavam, naturalmente, as formas não preconizadas
pelos eruditos. Isso somado à invasão bárbara que arrasou o império romano
abriu significativas lacunas ao aparecimento de outros dialetos como
instrumentos de fala.
Ao
estágio intermediário que se verificou da passagem do latim a uma língua românica,
deu-se o nome de romanço ou romance. Essa fase de transição durou anos, décadas
e séculos, pois embora as pessoas usassem os dialetos, o latim clássico continuava
sendo obrigatório, imposto pelas elites sociais. Somente depois que um dialeto
alcançava prestigio, sobrepujando outro em determinada região, consolidava-se
como língua.
As
línguas neolatinas ou românicas são aquelas que apresentam traços no vocabulário,
na morfologia e na sintaxe, apontando para a mesma origem, ou seja, o latim. Assim,
temos o português (falado em Portugal, Brasil, Ásia, África e
Oceania); o espanhol (falado na Espanha, América Central e América do
Sul – com exceção do Brasil); o catalão (falado na Catalunha, nos vales
de Andorra, na Zona Oriental de Aragão, na maior parte da Valência, nas ilhas
Baleares e na cidade de Alguer, situada na costa noroeste da Sardenha); o francês
(falado na França, Bélgica, no antigo Congo Belga, em parte da Suíça, do Canadá
e no Haiti); o provençal (falado no sul da França, atualmente absorvido
pelo francês, apesar do grande prestígio que gozou na poesia trovadoresca dos
séculos XII e XIII); o italiano (falado na Itália, na Sicília, na
Córsega e em São Marinho); o rético (falado no Tirol, no Friul e no
Cantão dos Grisões na Suíça); o dalmático (antes falado na Dalmácia,
hoje língua morta); o romeno ou valáquio (falado na
Romênia e na parte da Macedônia, próximo ao Monte Olimpo); e o sardo
(falado na Sardenha).
Segundo
Leite de Vasconcelos, a história da língua portuguesa pode ser dividida em três
fases: pré-histórica, proto-histórica e histórica. A fase pré-histórica
caracteriza-se pelo aparecimento dos primeiros documentos latino-portugueses,
que se deu das origens da língua até o século IX. Enquanto nessa fase houve uma
pequena quantidade de documentos, na fase proto-histórica, que vai do século IX
ao XII, o número de documentos foi bem maior, aparecendo, de quando em quando,
palavras portuguesas, o que sugere a existência do galaico-português. Do século
XII ao XVI, já na fase histórica, surgem textos e documentos redigidos em português
arcaico; e, em português moderno, do século XVI em diante.
Não
é possível precisar o tempo em que o português surgiu como língua oficial. O
período de transição se deu durante anos, décadas e séculos, com a coexistência
de diversos falares até ele se consumar como língua. Semelhantemente ao que
ocorria com o latim clássico e vulgar, hoje convivemos com a língua culta e outros
registros que são praticados cotidianamente. De um lado, temos a língua
portuguesa padrão, regida por regras que devem ser seguidas; de outro, os
falares cotidianos, usados espontaneamente em momentos informais. Como o latim
vulgar, a língua cotidiana, por ser livre e dinâmica, vai evoluindo, dando
origem a outros dialetos enquanto a língua culta é praticada em eventos acadêmicos,
redação de documentos oficiais, telejornais, artigos científicos, monografias,
dissertações de mestrado, teses de doutorado e outros. O segredo então é cada
usuário da língua aprimorar o domínio sobre essa temática, pois assim serão maiores
as chances de sucesso na adequação linguística às diversas realidades comunicativas.