quinta-feira, 28 de junho de 2012

Lição de vida


Dona Cacilda chegou. Com seus 92 anos de idade, miúda, elegante, bem humorada, semblante alegre e suave, ela contagia a todos com seu jeito de ser, sua força e sua graça. Apesar de suas vistas já cansadas pelo tempo, ela acorda cedinho todo dia. Antes das 08 da manhã, ela já está toda vestida, cabelos penteados e discretamente maquiada.
Não tem ninguém de seu. D. Cacilda, desde que perdeu o marido, com quem compartilhou 70 anos de sua existência, vive sozinha. É um exemplo de pessoa, compreensiva, otimista e determinada. E foi em grande estilo que se mudou para a casa de repouso, "Bem viver", pois sua longevidade e ausência de familiares não lhe permitiam outra solução.
No dia da mudança, assim que chegou ao local de destino, ficou duas horas na sala de visitas, esperando pacientemente o desenrolar dos acontecimentos. Em vez de irritação, ela sorriu amavelmente, quando a atendente veio lhe dizer que seu quarto estava pronto. Enquanto ela manobrava o andador em direção ao elevador, alguém fez uma descrição do seu minúsculo quartinho, inclusive das cortinas floridas que enfeitavam a janela.
Dona Cacilda, com entusiasmo, interrompeu a descrição:
- Ah, eu adoro essas cortinas...
A atendente, interagindo com a doce e amável velhinha, se surpreende:
- Dona Cacilda, a senhora ainda nem viu seu quarto!... Espera um pouco...
Com a serenidade de sempre, disse ela:
- Isto não tem nada a ver; felicidade é algo que você decide construí-la por princípio. Se eu vou gostar ou não do meu quarto, não depende de como a mobília vai estar arrumada. Vai depender de como eu preparo minha expectativa. E eu já decidi que vou adorar. É uma decisão que tomo todo dia quando acordo.
- Mas Dona cas....
Sem que a moça concluísse sua fala, D. Cacilda continuou:
- Sabe, eu posso passar o dia inteiro na cama, contando as dificuldades que tenho em certas partes do meu corpo que não funcionam bem, ou posso levantar da cama agradecendo pelas outras partes que ainda me obedecem. Simples, assim? Nem tanto; isto é para quem tem autocontrole e exigiu de mim um certo 'treino' pelos anos afora, mas é bom saber que ainda posso dirigir meus pensamentos e escolher, em conseqüência, os sentimentos.
Depois de pausar por instantes a fala, calmamente prosseguiu:
- Cada dia é um presente, e enquanto meus olhos se abrirem, vou focalizar o novo dia, mas também as lembranças alegres que eu guardei para esta época da vida. A velhice é como uma conta bancária: você só retira aquilo que guardou. Então, meu conselho para você é depositar um monte de alegrias e felicidades na sua Conta de Lembranças. E, aliás ... obrigada por este seu depósito no meu Banco de lembranças. Como você vê, eu ainda continuo depositando e acredito que, por mais complexa que seja a vida, sábio é quem a simplifica.
Depois de proferir tão belas palavras, ela ainda disse que, para se manter jovem,  é preciso-se preocupar somente com o que é essencial. Assim, devem ficar fora os números, incluindo idade, peso e altura, cultivando sempre o bom humor, apreciando as pequenas coisas, cuidando sempre daquelas que amamos sejam pessoas, animais, plantações, brinquedos, hobbies, viagens ou o simples refúgio do lar. Para D. Cacilda, rir e conviver com o bom humor é fundamental. Se as lágrimas aparecem, é preciso ser forte e ultrapassá-las.
Por fim, ela diz que é preciso tomar cuidado com a saúde: sendo boa, deve ser mantida; sendo instável, deve ser melhorada; e, na impossibilidade de melhorá-la, deve-se buscar ajuda. Para D. Cacilda, o importante é o amor às coisas simples, amor às pessoas e, sobretudo, o amor a Deus.
O testemunho de Dona Cacilda nos ensina que a felicidade é algo que se constrói a partir de nossas escolhas. Se escolhemos reclamar das dificuldades, dos problemas, vamos acumular tristeza, angústia e sofrimento. Todavia, se agradecemos a Deus por aquilo que temos, que somos capazes de realizar, mesmo que precariamente em razão de doenças ou longevidade, enxergaremos o lado belo da nossa existência, por conseguinte, sacaremos da nossa “conta bancária” (memória) sentimento de amor e felicidade.
Assim, D. Cacilda foi conduzida para seus aposentos. Enquanto manobrava seu andador, ela olhou para trás, acenou com a mão e seguiu com um sorriso nos lábios, uma lágrima no olhar na direção do humilde quartinho que a esperava. Bonito ou feio, confortável ou não, pouco importa. O importante é ser feliz. E foi essa a expectativa que D. Cacilda construiu para adentrar sua nova morada. Com esse belo testemunho, ela nos ensina como tornar nossos momentos difíceis, menos dolorosos e suaves. Um verdadeiro exemplo, uma maravilhosa lição de vida!


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